segunda-feira, 17 de outubro de 2022

 vim para vos falar da vitória certa.


eu sei, é difícil acreditar. 

depois de tanto arrepio no inverno da consciência,

que a paranoia elevou aos tremores dum corpo meio enfermo,

como se frio fosse doença.


um zumbido baixinho que já não sai do ar,

nas ruas da capital e não só, 

muito subtil e disfarçado, enfiado à socapa no resto dos sons como um 

inofensivo mas incomodativo parasita. 


as buzinas da cidade até são um refúgio para mim

porque ao menos entre carros e motas e a massa humana indiferenciada

não há mais nada, não há mais pensamento-palavra, não há mais eu,

apenas a essência do movimento da grande máquina

que se manifesta em mim muito antes que qualquer pensamento-palavra ou pensamento-sensação.

e aí esse zumbido se dilui totalmente.


todas estas brechas com 20 anos, 50 anos, 70 anos, 100 anos

etc

muros prontos a ruir com o sopro duma simples brisa.


assim soava o vento do inverno infinito.


eu vim aqui para vos falar da vitória certa.


a certeza é uma malvada, mas

eu confio nessa amante do milagre,

e sei que juntas se debocham com as patifarias da nossa máquina

que elas entendem apenas

um joguinho de plástico que só é único por ser tão barato.


a certeza de um milagre.

certamente...


eu vim aqui para vos falar da vitória certa.

do milagre certo.

a hora é esta,

os números não mentem. 

apenas o lance mais arrojado serve para quem está na guarda dum milagre certo. 

nada a perder, incorrecto,

tudo a perder.

assim, na hora certa, o milagre certo.


as folhas crescem ásperas na primavera

e recusam-se a sombrear as ruínas daquele muro.

elas apontam para cima e encaram a luz

com melhores olhos do que as da outra primavera.

eis um milagre.