vim para vos falar da vitória certa.
eu sei, é difícil acreditar.
depois de tanto arrepio no inverno da consciência,
que a paranoia elevou aos tremores dum corpo meio enfermo,
como se frio fosse doença.
um zumbido baixinho que já não sai do ar,
nas ruas da capital e não só,
muito subtil e disfarçado, enfiado à socapa no resto dos sons como um
inofensivo mas incomodativo parasita.
as buzinas da cidade até são um refúgio para mim
porque ao menos entre carros e motas e a massa humana indiferenciada
não há mais nada, não há mais pensamento-palavra, não há mais eu,
apenas a essência do movimento da grande máquina
que se manifesta em mim muito antes que qualquer pensamento-palavra ou pensamento-sensação.
e aí esse zumbido se dilui totalmente.
todas estas brechas com 20 anos, 50 anos, 70 anos, 100 anos
etc
muros prontos a ruir com o sopro duma simples brisa.
assim soava o vento do inverno infinito.
eu vim aqui para vos falar da vitória certa.
a certeza é uma malvada, mas
eu confio nessa amante do milagre,
e sei que juntas se debocham com as patifarias da nossa máquina
que elas entendem apenas
um joguinho de plástico que só é único por ser tão barato.
a certeza de um milagre.
certamente...
eu vim aqui para vos falar da vitória certa.
do milagre certo.
a hora é esta,
os números não mentem.
apenas o lance mais arrojado serve para quem está na guarda dum milagre certo.
nada a perder, incorrecto,
tudo a perder.
assim, na hora certa, o milagre certo.
as folhas crescem ásperas na primavera
e recusam-se a sombrear as ruínas daquele muro.
elas apontam para cima e encaram a luz
com melhores olhos do que as da outra primavera.
eis um milagre.