quarta-feira, 29 de março de 2023

aero-estrada // almirantes do ar


cruzo a maior avenida do país a pé
para que ninguém me possa dizer 
"não tentaste!" "vacilaste!"
método, quem é? depois do dó não vem o ré?
pia uns sons, põe a malta a mexer,
provoca um tumulto que baste.

quem se crê fundamentalista 
bisa nos doces, nunca precoce,
e passa em pista, de visita.

passo e passo e um olá ao senhor zé
sempre veloz, parece a correr
uma persistência que safa o traste.
solta-se o cadarço junto à sé
nenhum ineditismo em ser
apenas parte da cruz, a haste.

pássaros voam rápido na terra à vista
ciscam nas pipas, e não falo de caruma
mas sim dos bicos na alpista.
quem quer passa em pista, de visita.
todos os dias.


ócio e ofício I

segui um sapo até ao seu charco, 

era uma espécie de escritório lá deles.

eles coaxavam e coworkavam em paz, algo que estimavam bastante,

mas entrujei-me na mesma,

tinha tanto tempo!

naturalmente, muitos sapos são bufos

e começaram a lançar intrigas em uma língua anfíbia que devia ser antiga.


"não amigos, entenderam tudo mal! eu só estou aqui em aventura,

desistam de encontrar culpados que ponho-me num pulo daqui pra fora!"

a resposta foi um breve silêncio que, mesmo entre espécies, foi constrangedor.


"continuem a dar à língua então, divirtam-se."

esgueirei-me à socapa e deixei que eles ficassem com os seus sapo-dramas.

como piada não foi ótimo, mas a lagoa é um belo espelho.







quinta-feira, 2 de março de 2023

teremos sempre Paris,

não fosse Paris quando o homem quer.

mas o que pode querer um mano

quando Paris é um filme do Woody Allen

e uma impostora ali se expõe em seu lugar?

como é que a salvamos do passado?


eu já pensei em pintá-la de azul

e trata-la bem, e mal,

e ler para crer, parar para depois esquecer

e fazer que não se sabe de nada

(o ingénuo é oportunista).

já a enterrei em entulho

já me fiz com barulho,

já a reciclei

e até tentei que fosse Londres 

(sem vertigens, óbvio).

fi-la de morta, à espera dum milagre,

declarei-a património mundial (!),

até a apostei numa roleta.

nada.


enquanto sonhamos com as visões duma Joana

vamos rezando com fé que sim, teremos sempre Paris.

duvido alguma vez dizer o mesmo do Rio.





hoje fiz mais uma limpeza


um tacho em lástima no frigo, à espera de razão

para o seu longo exílio do resto da tacharia,

queixando-se com a única boca que tinha,

e tem,

mas tapando o nariz qualquer crítica é um mar de rosas

ou melhor dizendo, qual mau cheiro?


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um saco do lixo sem alças é um adversário,

que alguém terá que se encarregar de carregar na mesma,

pois não são as alças que fazem o saco

mas sim o plástico e os 10 cêntimos pela unidade. 


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o chão velho duma avó parece novo, se o espírito for certo

e o marido se lembrar de trazer o pão quando for beber a pinga.

eu prefiro a reta da meta ao fim da linha

visto que bem sei que não se pode entender de todos os pontos,

e a avó também sabe.

mas nela reluz o chão

 e no meu não.

assim ela vive, e eu conto.


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eu sou muito tolerante ao nojo,

juro.

excepto àquilo que todos sabem, mas, remeto para a minha tese antiga.

fora isso, nem porno nem guro

tampouco bestas ou futa

só mesmo fruta.


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algo que não me afecta: o nojo, como já disse

mas também não me dói o sujo, o imperfeito, o incorrecto,

o asqueroso, o podre nem o pútrido.

no entanto!

e este ponto é essencial,

todos estes trazem as piores companhias: 

baratas, formigas, traças,

lagartas, larvas, aranhas,

e aí sim, já faz toda a diferença.

não há coabitação pacífica com esta fauna hostil.

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